Internet a serviço da cidadania

Após um longo e proveitoso debate com a participação de amplos setores da sociedade civil, a Câmara dos Deputados aprovou nestes dias o Projeto de Lei 2.126/11, conhecido como Marco Civil da Internet. A discussão e a votação passam agora para o Senado, onde se instala uma nova fase do debate. Os senadores podem propor mudanças no texto como também podem rejeitá-lo em sua totalidade. É necessário, portanto, que a sociedade civil acompanhe as discussões e faça pressão sobre os senadores para que se chegue a uma regulação do uso das redes.

O Projeto de Lei 2.126/11 estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para quem usa a rede, bem como determina as diretrizes para a atuação do Estado em todos seus níveis.

Aprovado pela maioria dos deputados no último dia 25 de março, ele conta com vinte e cinco artigos, divididos em cinco capítulos: Disposições preliminares; Dos direitos e garantias dos usuários; Da provisão de conexão e aplicações da Internet; Da atuação do poder público; e Disposições Finais.

Ao reconhecer que a Internet é uma ferramenta essencial de exercício da cidadania, o Marco Civil da Internet objetiva disciplinar seu uso para que todos os cidadãos tenham acesso a um serviço de qualidade e no respeito dos direitos humanos.

O Projeto fundamenta-se sobre um sólido tripé: a garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento; a proteção da privacidade e dos dados pessoais e a garantia da neutralidade da rede.

O Projeto de Lei 2.126/11 acaba com a censura na Internet e reafirma o direito constitucional à liberdade de expressão.
Hoje, na Internet aplica-se a censura arbitrariamente. Os provedores podem eliminar textos, vídeos, imagens e qualquer outro tipo de conteúdo sem pedir autorização. Basta um pedido não formal da pessoa que se sente lesada ou de seu advogado para que, os provedores, por medo de serem responsabilizados pelo conteúdo que circula em seus sites, retirem imediatamente o conteúdo do ar. Os provedores, para justificar essa atitude arbitrária, alegam que na atual legislação há insegurança jurídica quanto à responsabilidade do conteúdo hospedado em seus sites. Têm medo de serem acionados judicialmente em eventuais processos por danos morais. Por isso preferem apagar mediatamente o conteúdo para não correrem riscos.

O Projeto de Lei 2.126/11 acaba com esta insegurança jurídica ao estabelecer que a retirada de conteúdo da Internet só poderá ser feita a partir de ordem judicial. Quem se sentir lesado por alguma matéria divulgada pelos canais virtuais deverá recorrer à justiça para retirar o material do ar. Com isso consagra-se o direito à liberdade de expressão na rede, evitando, por exemplo, que sátiras, críticas e denúncias, sobretudo aquelas que incomodam homens públicos e grupos de poder, sejam removidas prontamente pelos provedores.

Isso não significa que as pessoas podem escrever e divulgar pela Internet o que bem entenderem, sem levar em conta o respeito pela dignidade da pessoa. Quem se servir da Internet para ofender ou difamar outra pessoas ou para usar indevidamente obras protegidas pela propriedade intelectual privada poderá ser acionado judicialmente. O que muda, na realidade, é que a avaliação de cada caso vai ser feita pelo sistema judiciário. A responsabilidade de julgar se o conteúdo viola as leis e a decisão de retirar o mesmo do ar não cabem mais ao provedor nem tampouco à suposta vítima, mas ao juiz. Quem se sentir difamado por material divulgado pela Internet deve procurar a justiça para fazer valer seus direitos. O artigo 20 do Projeto de lei 2.126/2011 retira a responsabilidade dos sites sobre os conteúdos gerados por terceiros, acabando com a insegurança jurídica e com a desculpa utilizada para a censura automática. Quanto à divulgação de material com direito autoral, a matéria será tratada especificamente na Lei de Direito Autoral.

O Projeto de Lei 2.126/11 garante o direito à proteção da privacidade e dos dados pessoais.
A Internet transformou-se numa ferramenta de controle político, econômico e social. Dados pessoais são utilizados livremente por empresas que os vendem para a realização de pesquisas de mercado, como também os repassam para agências de espionagem para o monitoramento de milhões de cidadãos.

O Marco Civil protege a privacidade dos usuários e seus dados pessoas. No art. 7 assegura, entre outros, o direito “à inviolabilidade e ao sigilo de suas comunicações pela Internet, salvo por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”; o direito “a informações claras e completas constantes dos contratos de prestação de serviços, com previsão expressa sobre o regime de proteção aos seus dados pessoais, aos registros de conexão e aos registros de acesso a aplicações de Internet, bem como sobre práticas de gerenciamento da rede que possam afetar a qualidade dos serviços oferecidos”; e o direito “ao não fornecimento a terceiros de seus registros de conexão e de acesso a aplicações de Internet, salvo mediante consentimento ou nas hipóteses previstas em lei”.

É claro que isso não basta para acabar com a invasão de privacidade, com o uso indevido dos dados pessoais e com a espionagem, mas, a partir da promulgação do texto do Marco Civil, quem por ventura praticar esses atos estará cometendo um crime.

O Projeto de Lei 2.126/11 garante a neutralidade da rede
Segundo Pedro Ekman, numa matéria publicada no site cartacapital “este é o ponto de maior polêmica entre sociedade civil e empresas de telecomunicações. Com a aprovação da neutralidade de rede como um princípio, as empresas donas dos cabos por onde trafegam os pacotes de dados ficam impedidas de favorecer esse ou aquele serviço, esse ou aquele produto no tráfego. Basicamente, todo conteúdo deve trafegar da mesma forma, com a mesma qualidade. Essa definição é importantíssima para garantir que a internet se mantenha como um meio democrático, onde todos têm as mesmas condições de falar e ganhar repercussão. Ter uma rede neutra é definir que o dono da estrada não pode definir que veículos podem andar mais rápidos e quais tem que enfrentar um congestionamento. Se nossas estradas não fossem neutras em relação a quem viaja por elas, existiriam uma larga pista para quem pagasse mais e um pista estrita para quem não tivesse dinheiro. Ou ainda a administradora da estrada poderia definir, em um acordo comercial com montadoras, que algumas marcas de automóveis passam sem pagar pedágio, enquanto as outras são obrigadas a pagar. Como não existem leis obrigando a neutralidade na rede de internet, hoje as estradas digitais são administradas de forma assimétrica por quem controla os cabos”. Algumas provedoras, por exemplo, diminuem aleatoriamente a velocidade da conexão para inviabilizar o uso do Skype para proteger os interesses de empresas concorrentes de telefonia.

O Marco Civil põe um ponto final nisso. O art. 9 determina que “O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicativo, sendo vedada qualquer discriminação ou degradação do tráfego que não decorra de requisitos técnicos necessários à prestação adequada dos serviços, conforme regulamentação”. Com a afirmação do princípio da neutralidade os provedores ficam impedidos de discriminar certos serviços em detrimento de outros e protege os usuários de ter sua velocidade de conexão diminuída baseada em interesses econômicos.

Apesar de alguns pontos críticos que podem ainda ser corrigidos durante a tramitação no Senado, o Marco Civil da Internet é considerado uma vitória histórica de democratização da comunicação, fruto da luta dos movimentos sociais brasileiros. É bom ficar conectados com essa discussão para o Brasil sair na frente na construção de uma “Constituição da Internet” que garanta uma navegação segura e uma internet a serviço da informação de qualidade, do fortalecimento da comunicação e do exercício da cidadania.

Pe. Saverio Paolillo (pe. Xavier)
Missionário Comboniano
Pastoral Carcerária e do Menor
Fontes:
www.cartacapital.com.br
www.adital.com.br

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